quinta-feira, 11 de outubro de 2007

A responsabilidade histórica e a memória institucional das organizações


A seguir, disponibilizamos uma entrevista com Paulo Nassar, presidente executivo da Aberje, professor da ECA/USP e pesquisador, um dos profissionais de maior prestígio na área de Comunicação Empresarial em nosso País.

Paulo Nassar fala sobre a responsabilidade histórica das organizações e destaca o papel fundamental exercido pelos Relações Públicas na preservação da memória empresarial. A entrevista foi concedida à revista digital Comunicação e Estratégia.

Comunicação & Estratégia: O que é e qual a importância da responsabilidade histórica das organizações?

Paulo Nassar: Responsabilidade histórica é o conjunto das responsabilidades corporativas - a comercial, ambiental, social e cultural - examinado ao longo da história da organização, de seu presente e de sua visão. Este olhar verifica a coerência dos discursos produzidos pela empresa frente as suas ações e comportamentos que produzem a sua história. Frente ao exame da história e das memórias organizacionais é possível verificar se o que a empresa está expressando não é apenas uma jogada de marketing. Diante de uma comunicação empresarial destinada a produzir muitas vezes o esquecimento, é preciso resgatar as memórias não administradas, involuntárias, proustianas, que formam a reputação das empresas.

Comunicação & Estratégia: As empresas brasileiras têm investido na construção da responsabilidade histórica e no resgate da sua memória institucional? Há alguns exemplos a destacar? É possível resgatar a empresa pioneira no Brasil neste tipo de trabalho?

Paulo Nassar: Não é possível generalizar a responsabilidade histórica no ambiente empresarial. O discurso empresarial que mais se aproxima de um comportamento responsável historicamente é o da sustentabilidade. Temas complexos e vitais para a sobrevivência da humanidade - como os do aquecimento global, o aumento de pobres e miseráveis no mundo (apesar dos discursos de responsabilidade social empresarial), o esgotamento e a poluição de recursos naturais, a violência que beira a barbárie e outros - levaram um grupo de empresas a assumir um comportamento e um discurso preservacionista e de respeito ao meio ambiente, social e econômico. No entanto, este discurso ainda é justificado frente aos acionistas com o argumento de que ele vende, que ele fortalece o preço das ações da empresa. É um discurso esquizofrênico, como se o acionista vivesse em outro planeta.

No Brasil, os grandes exemplos de preocupação com a história e memória empresarial vêm de empresas de origem brasileira, aquelas nascidas ainda dentro de um projeto de desenvolvimento nacional, que têm negócios que geram grande impacto no meio ambiente, no econômico e no social, entre elas, a Petrobrás, a Vale do Rio Doce, a Votorantim, a Odebrecht. Os trabalhos destas empresas fogem da visão histórica celebrativa de aniversários, das grandes datas e feitos, dos grandes personagens, e são mais voltados aos depoimentos de vida dos trabalhadores, ou ainda voltados à gestão do conhecimento gerado pelas organizações.

É preciso destacar também que um trabalho de História e de Memória Empresarial dificilmente tem um objetivo só. De forma abrangente pode-se dizer que um grande objetivo é o de fortalecer o sentimento de pertença dos trabalhadores e das comunidades em relação às organizações. Ou ainda humanizar linhas de produção e escritórios onde as práticas voltadas para a alta produtividade e competitividade esgotaram as pessoas e a confiança delas nos gerentes e na alta administração.

A empresa pioneira no uso da história e da memória de forma abrangente foi a Odebrecht. Em 1984, a Odebrecht criou, em Salvador, o seu Núcleo de Cultura Odebrecht. Iniciativa comandada por Márcio Polidoro.

Comunicação & Estratégia: Qual o papel da comunicação e particularmente das Relações Públicas neste esforço de construção da responsabilidade histórica das organizações?

Paulo Nassar: Nos anos 1980 e principalmente nos anos 1990, parte importante dos comunicadores brasileiros foi cúmplices do desaparecimento de acervos fundamentais para entendermos, entre outros enfoques, a história da industrialização, do papel estratégico do Estado em setores como os da Eletricidade, Gás e Telecomunicações. Em muitos casos, esse papel foi exercido pela mais absoluta ignorância; por gente inculta que olha a tradição como algo sem nenhum valor. Nos anos 1990, houve muitos exemplos em que as empresas jogaram no lixo, em rituais de descarte dos programas de 5S, documentos vitais para o entendimento de suas culturas e identidades. Ocorreram ainda aqueles casos em que diante de novos acionistas, em um ambiente de reestruturação patrimonial, os comunicadores promoveram uma engenharia do esquecimento do passado da empresa e de seus fundadores.

Diante disso, proponho para o comunicador, como metáfora de seu papel, a figura de Jano, aquele deus romano, que abria portas, pontes, diálogo entre a tradição e inovação. De Jano vem o mês Janeiro. Em um mundo digital, podemos pensar no Jano digital.

Comunicação & Estratégia: Quais são as perspectivas futuras para o trabalho de resgate da memória institucional das organizações?

Paulo Nassar: O trabalho de documentação da memória institucional, como um campo híbrido, onde ocorram miscigenações entre os conhecimentos e as práticas dos campos da História, Jornalismo, Relações Públicas, entre outros, vai se fortalecer dentro das organizações. Ele representa uma das formas das empresas minimizarem a corrosão da confiança da sociedade e de suas redes de relacionamento em relação à empresa e seus gestores. Os processos de história e a memória empresarial podem fortalecer o sentimento de pertença (o pertencimento) que a sociedade e os públicos de relacionamento têm em relação à empresa. Uma outra tendência é termos os trabalhos de história e memória empresarial desidratados de seu sentido humano. Explico: a história e a memória enquadradas em uma lógica do entretenimento, da curiosidade mórbida e paparazzi, algo morto que lembra um pouco os museus de cera.

Comunicação & Estratégia: Como a Aberje tem contribuído para reforçar a importância deste trabalho e para divulgar as iniciativas bem sucedidas?

Paulo Nassar: A Aberje é pioneira no trabalho com a História e a Memória Empresarial. Ainda em 1999, a Aberje - preocupada com questões trazidas pelas reestruturações produtivas e patrimoniais brasileiras, entre elas as privatizações e as centenas de fusões e aquisições de empresas - promoveu, em 23 de agosto, o I Encontro Internacional de Museus Empresariais, onde reuniu representantes de empresas como a Telefônica, Companhia Vale do Rio Doce, Brasmotor, Odebrecht, Asea, Chocolates Garoto, além das instituições Memória e Identidade, Museu da Pessoa e Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo. Em 2000, a Aberje trouxe da Inglaterra, como palestrante, o historiador Paul Thompson, professor e pesquisador da universidade de Essex, autor do clássico A voz do passado. De lá para cá, a Aberje tem promovido permanentemente congressos, encontros e grupos de estudos voltados para o tema da História e da Memória. Em 2004, publicou o livro Memória de empresa: história e comunicação de mãos dadas, a construir o futuro das organizações. Neste ano, em maio, inaugura, com investimentos iniciais, orçados em mais R$ 500.000,00, o seu Centro de Memória e Referência, onde reúne, em instalações especiais, um acervo constituído de documentos, fotos e material audiovisual, dos últimos 50 anos da comunicação empresarial brasileira. Além de uma biblioteca constituída inicialmente com mais de 1000 títulos da bibliografia fundamental da comunicação e das relações pública brasileira e internacional. O CMR da ABERJE abriga também o Instituto de Pesquisas da ABERJE, que desde 2001, vem realizando pesquisas sobre o campo da comunicação empresarial. O CMR da ABERJE é gerenciado por um grupo de comunicadores, bibliotecários e historiadores especialmente contratado para a sua missão.


A entrevista pode ser vista na íntegra no link: http://www.comunicacaoempresarial.com.br/revista/05/entrevista.asp

4 comentários:

Nathália Oliveira disse...

Embora este post seja extenso vale muito a pena que seja lido, pois nele são tratados assuntos inovadores, os quais eu nunca tinha tido contato.

Denise Carvalho disse...

Muito bom seu post Nat!

Aliás, Paulo Nassar é um dos melhor profissionais do Brasil! Adoro os artigos dele... A entrevista então nem se fala!

Até segunda !
Beijos.

Ser.RP... disse...

Ola meninas. A Denise pediu autorização para divulgarem o blog www.serrp.blogspot.com. Fiquem a vontade para divulgá-lo...o de voces ja esta la...acessem...
vamos sempre trocar informações...
abraços
att,
juliano melo

Stelleo Tolda disse...

Em tempos de armazenamento barato e facilitado, as organizações deveriam se preocupar mais com a conservação de suas memórias institucionais. Fiz uma reflexão sobre isso em meu blog: http://mlonlinegeneration.wordpress.com/2009/05/25/perda-de-memoria/.

Abraços,
Stelleo Tolda
WWW.mercadolivre.com.br/mlog